Chiquinho Brazão foi o assunto da semana. Depois de muita negociação nos bastidores e pressão nas redes sociais, os deputados acabaram autorizando a sua prisão preventiva pela acusação de ser um dos mandantes do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.
Chamo a atenção para isso porque, enquanto todos discutiam o destino de Chiquinho Brazão, ninguém se interessa pela história do caçula Domingos Brazão, que tem uma trajetória ainda mais tenebrosa do que a de seu irmão deputado federal.
Ao longo de quatro mandatos no Legislativo fluminense, Domingos Brazão teve seu nome mencionado na CPI das Milícias, além de ter sido acusado de envolvimento em casos de corrupção e de atuação na máfia dos combustíveis adulterados.
Mesmo com essa folha corrida, Domingos foi indicado para o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), órgão responsável pela fiscalização da correta aplicação dos recursos públicos pelo governo estadual e pelas prefeituras fluminenses.
A aprovação de Domingos Brazão para o TCE-RJ pressupõe que os legisladores consideraram que ele satisfazia aos requisitos constitucionais de idoneidade moral, reputação ilibada e notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos, financeiros e de administração pública.
No entanto, na manhã do dia 29/03/2017, Domingos Brazão foi preso junto com cinco outros membros do TCE-RJ na Operação Quinto do Ouro, que apurava o recebimento de propina para a aprovação de editais de licitações de diversas obras superfaturadas que beneficiaram algumas das maiores empreiteiras do país. Do quórum de sete membros do TCE fluminense, apenas a conselheira Marianna Willeman não foi presa pelo esquema de corrupção.
Domingos e seus colegas conselheiros ficaram presos por mais de quatro anos, até que uma decisão do ministro Kassio Nunes Marques, referendada pela Segunda Turma do STF, não apenas concedeu a liberdade provisória, como autorizou que eles reassumissem suas cadeiras no TCE-RJ.
Como se não bastasse ter recebido integralmente seus salários durante sua primeira temporada num presídio, Domingos Brazão pleiteou o direito ao pagamento das férias acumuladas nesse período – e seu pedido foi deferido!
Se o Brasil fosse um país sério, a prisão de quase a totalidade dos integrantes do Tribunal de Contas de um dos maiores Estados brasileiros por terem se beneficiado de propinas e as fortes evidências de que um deles é mandante do assassinato de uma vereadora deveriam gerar um debate público sobre a forma de escolha dos responsáveis por esses importantes órgãos de combate à corrupção.
Não é de hoje que se tem notícia do grau de politização e nepotismo nas indicações para esses órgãos. Numa pesquisa hercúlea conduzida em 2014, Juliana Sakai e Natália Paiva, da organização Transparência Brasil, analisaram um a um o perfil e a biografia de 233 ministros e conselheiros em exercício nos 34 Tribunais de Contas do país.
Entre inúmeros dados estarrecedores, destaco dois: cerca de 80% dos dirigentes desses tribunais administrativos já tinham exercido cargo público e pelo menos um terço tinha relações de parentesco com políticos ou autoridades públicas. É o famoso caso de deixarem colocar as raposas para cuidarem do galinheiro.
Essa prevalência de políticos ou seus parentes ocupando os principais cargos dos órgãos responsáveis por “julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta”, como determina a Constituição, contribui para um objetivo muito valorizado no jogo da política brasileira: a proteção contra condenações por crimes praticados durante o exercício do poder.
Enquanto a sociedade comemora a manutenção da prisão de Chiquinho, o silêncio gritante sobre o destino de Domingos e os critérios para a nomeação dos integrantes dos Tribunais de Contas faz a festa de corruptos e corruptores Brasil afora.