Muitos brasileiros usam os serviços do Departamento de Trânsito (Detran). Mas, nem sempre a experiência é boa. Há reclamações sobre morosidade e corrupção. O Detran do Estado de São Paulo promete deixar isso para trás, investindo em transformação digital, sistemas de aprendizado de máquina e inteligência artificial (IA).
Os projetos estão sendo desenvolvidos pela Prodesp, empresa de economia mista com foco em tecnologia, vinculada à Secretaria de Gestão Pública do governo paulista. O Detran tem projetos contratados com a Prodesp no valor de R$ 250 milhões. A Prodesp, por sua vez, prevê investir R$ 600 milhões em projetos de transformação digital em 2024, segundo seu presidente Gileno Barreto. Em 2023, foram R$ 400 milhões.
“Corrupção é um termo mal utilizado”, diz ao Valor, Eduardo Aggio, diretor-presidente do Detran-SP. O executivo prefere falar em “mau uso, uso inadequado e uso proscrito do sistema”, que geram falta de compliance e de conformidade com as normas. Ao eliminar esses caminhos e a exposição de dados, Aggio pretende que o uso do sistema seja intuitivo, simples e não personalizado.
O cidadão não tem acesso a esses sistemas, mas deve perceber as mudanças, principalmente por causa da velocidade no atendimento. O prazo para um serviço que demorava 10 dias passa para 48 horas, nos casos que ainda está sendo feita a digitalização, mas a maioria deles agora é instantânea. Uma transferência de veículo, por exemplo, cai de 10 dias úteis para cerca de 1 minuto, diz o executivo.
A inovação está sendo implantada pela CyberArc, que foi contratada via Prodesp. A modernização ocorre não só no Detran-SP, mas também no Poupatempo.
Anualmente, o Detran-SP — atrelado à Secretaria de Gestão e Governo Digital do Estado — realiza 32 milhões de operações para emissão de registro e licenciamento de veículos (CRV e CRLV), e de Carteira Nacional de Habilitação (CNH); gerencia 35 milhões de veículos da frota do Estado e 25 milhões de condutores. São 75 mil veículos licenciados por dia útil.
“Não há outro meio para ganhar escala e velocidade que não seja através da digitalização e transformação digital, afirma Aggio. Embora sua formação seja jurídica, ele conta que sempre gostou de ciências exatas e tecnologia.
A Prodesp desenvolveu os sistemas proprietários que estão em uso no Detran-SP. Mas, parte deles foi desenvolvida a partir da década de 60, sendo a maior parte nos anos 80 e 90. O Detran-SP ainda tem sistemas legados do computador de grande porte (mainframe) Unisys. Na parte de gestão de identidades, por exemplo, havia um grande gargalo nos serviços, vinculado aos sistemas obsoletos, permitindo operação de forma não idônea, diz Aggio.
A CyberArc cria uma camada de acesso único aos sistemas através de computadores intermediários (middleware) ao mainframe. “Isso nos permite agregar informações relacionadas a gestão de identidade, entre outras ferramentas trazidas pela CyberArc”, explica o titular do Detran-SP.
Sem o sistema intermediário, é possível acessar diretamente o banco de dados, fazer uma transferência irregular de veículo, ver as multas. Os controles, como hierarquias e estruturas, são manuais. O novo sistema de produção é sensível e crítico, segundo o executivo. Controla os registros de CNH, de veículos, de multas. “É a primeira Carta de Serviços [compromisso do órgão com o cidadão, detalhando o que está sendo feito e como acessar] do Detran em 100 anos”, diz CEO do Detran-SP.
O sistema de aprendizado de máquina e “analytics” na plataforma de IA identifica os desvios estatísticos, como comportamento do usuário, hábitos e horas de uso do sistema. Se isso sai fora do padrão, a inteligência pode derrubar o sistema e inviabilizar o acesso, além de monitorar e resguardar a coleta de informações para posterior análise do órgão.
Pagar por facilidades na compra de CNH deverá ser muito mais difícil. Aggio conta que quase 100% das provas no Estado são digitais, com 1,3 mil tablets, coleta biométrica e GPS. Havia um mercado estruturado que privilegiava esse tipo de conduta, segundo o titular do Detran-SP. Está sendo implantado o reconhecimento facial e, até o fim do ano, as provas serão gravadas em áudio e vídeo. “[Isso] Vai permitir, inclusive, recurso ao cidadão. Não adianta só ser honesto, tem que parecer honesto.” Desviar o olhar para uma cola será desafiador diante das câmeras.
As provas práticas de direção serão monitoradas severamente. Está em curso um estudo técnico no órgão para uso de câmeras corporais para os examinadores e também nos veículos.
“Os sistemas dos Detrans são antigos, desenvolvidos ao longo de uns 40 anos. Grande parte roda em mainframe Unisys. É um modelo hermético, não muito ‘friendly’ [amigável] para inovação. Estamos saindo desse sistema”, explica ao Valor, o presidente da Prodesp. “Queremos sair do orçamento do Estado e ir para o modelo de pagamento pelo consumo, mais viável.”
Barreto acrescenta: “Todos gostam do Poupatempo, que, no fim das contas, é baseado em sistema analógico, exige ‘back office’ muito grande”, diz Barreto. O processo para cada serviço ao cidadão tem diversas etapas, todas separadas; o Poupatempo junta tudo. O plano é colocar tudo on-line.
“O Poupatempo é um grande agregador, os serviços estão nas secretarias, mas irão para o site do Detran.” Os mais relevantes devem ser totalmente automatizados em dois anos, prevê Barreto.