Vencedora do prêmio Nobel da Paz em 2022 pelo trabalho da organização não-governamental Centro pelas Liberdades Civis, a advogada ucraniana Oleksandra Matviichuk está no Rio de Janeiro para denunciar as violações de direitos humanos na invasão da Ucrânia e alertar os líderes do G20 sobre a necessidade de reformas nas Nações Unidas (ONU).
“Além de outras tarefas que são mandato do G20, esses país podem impulsionar uma reforma fundamental do sistema da ONU. Este sistema foi construído após a Segunda Guerra Mundial, no século passado, e proporciona indulgências irracionais para certos países como a Rússia”, disse em entrevista ao Valor no G20 Social, evento voltado à sociedade civil encerrado no último sábado (16).
A Nobel da Paz argumenta que essa não é uma discussão crucial apenas para a Ucrânia, mas a principal questão do século XXI. “Podemos confiar na lei ou apenas a força brutal importa? A resposta a essa pergunta definirá não apenas a vida das pessoas na Ucrânia, mas nosso futuro comum”, afirmou a fundadora da ONG premiada em 2022.
A ucraniana também cobrou os líderes a assumirem “sua responsabilidade histórica” em um cenário de turbulência global e vaticinou que, se nada for feito, conflitos ainda mais intensos surgirão com mais frequência em diferentes partes do mundo.
“Toda a engrenagem internacional está defeituosa e há faíscas por todo lado. Então é hora de assumir responsabilidades. Tempos de crise exigem verdadeira coragem, verdadeira liderança e verdadeira responsabilidade”, afirmou.
A Nobel da Paz fica no Rio até o meio da semana e pretende se reunir com delegações internacionais que estarão na cidade para a cúpula de chefes de Estado do G20, a partir de segunda-feira, para denunciar “a dimensão humana” da guerra na Ucrânia.
Repatriação de crianças deportadas
Na mesma delegação que veio ao Brasil, encabeçada pela organização Emile Foundation, que atua para repatriar crianças ucranianas deportadas à força, está o ativista russo Alexandr Cherkasov.
Cherkasov é cofundador da ONG Memorial, um dos grupos mais antigos de direitos humanos da Rússia, também premiado com o Nobel da Paz em 2022. As organizações de Kiev e Moscou atuam em conjunto para mapear e denunciar as violações russas em conflitos como os da Chechênia e da Ucrânia.
O russo e a ucraniana destacam que o Kremlin lança mão, há décadas, de guerras como ferramenta para alcançar interesses geopolíticos e que é preciso quebrar o ciclo da impunidade. “A Rússia nunca foi punida e acredita que pode fazer o que quiser”, condenou a ucraniana.
“É uma cadeia de crimes e a impunidade é o mecanismo de reprodução desses crimes. Se o G20 é a organização para o futuro, e esse futuro não é um lugar de guerras e impunidade para crimes de guerra, é preciso evitar esse futuro”, destacou o russo.
A Guerra na Ucrânia é uma das maiores divergências no “grupo dos 20” junto com o conflito no Oriente Médio. Discordâncias sobre os conflitos têm dificultado consensos entre os negociadores, que discutem desde terça-feira (12) o texto final da declaração de líderes.
Países do G7 (sete mais ricos do mundo), sobretudo Estados Unidos e Europa, defendem uma linguagem mais forte de condenação à Rússia pela guerra na Ucrânia. De outro, governos do chamado Sul Global querem que a mesma lógica seja aplicada a Israel pelo conflito em Gaza.
No G20 passado, em Nova Déli, o tom da declaração sobre a guerra na Ucrânia foi considerado brando, uma vez que não houve condenação expressa à invasão russa. O tom ameno foi uma saída para contornar ameaças de Rússia e China de vetar qualquer texto que condenasse o o governo Putin.
Questionada sobre o que esperar da declaração deste ano, no Brasil, a advogada ucraniana disse que a sociedade civil espera que os líderes sejam honestos. “As pessoas em todo mundo querem dos políticos honestidade e responsabilidade histórica. E uma das qualificações importantes dessas características é chamar as coisas pelo que elas são”.