Um estudo realizado com doadores de sangue em sete capitais brasileiras analisou a presença de anticorpos contra os vírus da dengue e chikungunya na população. Entre os dados, a pesquisa alerta para o risco de epidemias de dengue em São Paulo e Curitiba. Nessas cidades, 72% e 87,5% da população analisada, respectivamente, não têm imunidade diante de nenhum dos quatro tipos do vírus, o que as torna mais vulneráveis à infecção. Nas demais capitais, boa parte dos doadores apresentou proteção contra ao menos um sorotipo do patógeno.
A pesquisa foi coordenada pela imunologista Ester Sabino, professora titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e teve apoio do Instituto Todos pela Saúde (ITpS). O levantamento também incluiu as cidades de Belo Horizonte, Fortaleza, Manaus, Recife e Rio de Janeiro.
É importante lembrar que os anticorpos ajudam o organismo a combater doenças e podem ser produzidos após o contato com vírus, como o da dengue, e a partir de vacinas. Com isso, é criada uma memória imunológica que geralmente dura anos. Contudo, essa imunidade protege apenas contra o tipo específico de dengue já contraído.
Dito isso, os dados mostram que a maioria da população das capitais do Paraná e de São Paulo nunca foi infectada com nenhuma das formas da doença, mesmo após a última epidemia. “Do ponto de vista de transmissão, isso indica que essas pessoas podem ter até quatro episódios de dengue, um para cada tipo do vírus”, explica Vanderson Sampaio, pesquisador e diretor de operações do ITpS, que contribuiu para o estudo.
Nas outras cidades, os doadores mostraram anticorpos contra pelo menos um sorotipo do vírus. Nessas capitais, há um baixo percentual de pessoas que nunca tiveram contato com a dengue. Em Belo Horizonte, 31% não apresentam anticorpos, em Manaus, 24%; Rio de Janeiro, 17%; e Recife, apenas 12% – o que indica que 87,8% da população já foi exposta ao vírus. Em Fortaleza, amostras coletadas em novembro de 2023, antes da última epidemia, mostraram um percentual de 16%.
Segundo Ester Sabino, essas informações indicam o quanto cada população está suscetível à infecção, o que pode ser usado na preparação para emergências sanitárias e o desenvolvimento de ferramentas para futuras epidemias. O dado também pode ajudar o governo a decidir sobre a distribuição de vacinas quando a quantidade é limitada.
As amostras foram coletadas em junho deste ano, logo após o último ciclo de epidemia da doença no Brasil, que provocou 6,5 milhões de casos e mais de 5.700 mortes. O estudo foi feito com amostras de doadores de sangue de um hemocentro de cada cidade. Cerca de 1.600 amostras foram coletadas em dois períodos: novembro de 2023 e junho de 2024, com exceção de Fortaleza, onde só houve a primeira coleta.
Ester destaca que, por ser feito com amostras de bancos de sangue, o estudo não é uma representação perfeita das cidades, mas foi realizado de modo que que as representassem da melhor forma possível.
Exposição ao chikungunya
Além da dengue, o estudo analisou a presença de anticorpos contra o vírus chikungunya. A maioria das capitais apresentou baixa exposição ao agente. Em Curitiba, 99,5% dos doadores nunca tiveram contato com o vírus; em São Paulo, 98%; em Manaus, 96%; em Belo Horizonte, 95,5%; e, no Rio de Janeiro, 79,5%.
No entanto, Recife e Fortaleza mostraram índices significativamente mais elevados, indicando que parte considerável da população dessas cidades já teve contato com o vírus. Segundo o estudo, 38% dos recifenses e 32,5% dos fortalezenses já foram expostos ao patógeno.
Esse fato sugere uma menor probabilidade de novas epidemias nas duas cidades nordestinas. No entanto, há ressalvas. Embora o vírus chikungunya não seja dividido em sorotipos, como o da dengue, ele pode ter diferentes linhagens. Portanto, a aparente proteção pode não se manter frente a formas ainda desconhecidas do micro-organismo.
Possíveis surtos em Belo Horizonte, São Paulo e Curitiba
Ester destaca que a cidade de Belo Horizonte demanda uma atenção especial quanto ao vírus chikungunya. Embora ainda haja uma baixa exposição na região, houve um aumento considerável de casos da infecção entre 2023 e 2024, indicando que o vírus já está circulando amplamente na cidade – o que não acontecia antes.
A pesquisadora ressalta, ainda, que é possível que muitos casos inicialmente notificados como dengue possam, na verdade, ter sido de chikungunya. Segundo a imunologista, esses fatores sugerem a possibilidade de surtos mais intensos ou epidemias da doença para os próximos anos na região.
O motivo para isso pode ser semelhante ao observado em São Paulo e Curitiba em relação à dengue: mudanças climáticas. A baixa presença de anticorpos contra os vírus nessas cidades é atribuída ao fato de que elas não enfrentaram tantas epidemias ao longo dos anos como as demais estudadas. Isso porque o clima das regiões Sul e Sudeste é menos favorável à proliferação do Aedes aegypti. Contudo, o aquecimento global tem aumentado o risco de surtos nessas áreas, criando condições mais propícias para o mosquito transmissor.
“São Paulo teve recentemente a sua primeira grande epidemia e, em Curitiba, ainda não aconteceu. Agora que o clima está esquentando, são as cidades mais expostas. Estão suscetíveis a ter um surto de dengue na medida em que o aquecimento global aumenta a proliferação do mosquito – e o Aedes é muito difícil de controlar”, alerta Ester.
Sampaio completa as mudanças climáticas somadas à uma população suscetível, ou seja, que nunca teve contato com a doença e não tem anticorpos contra ela, é a “equação perfeita para uma epidemia”.