Depois do ataque israelense contra a cidade iraniana de Isfahã na madrugada desta sexta-feira (noite de quinta no Brasil) em retaliação ao lançamento de centenas de mísseis e drones do Irã contra Israel no fim de semana passado, redes de TV e funcionários dos governos de ambos os países diminuíram a importância da ação, sugerindo que, ao menos por enquanto, o risco de um conflito aberto entre os dois maiores rivais no Oriente Médio prosseguirá latente. Mas as tensões entre os dois inimigos, que envolvem outros personagens na região, continuarão à beira de uma escalada enquanto houver poucas perspectivas de um cessar-fogo na Faixa de Gaza, palco de um conflito desde o ataque do grupo terrorista Hamas ao sul israelense em 7 de outubro do ano passado.
Não houve declarações públicas de Israel sobre a operação em Isfahã — repetindo o modus operandi de ataques no passado, como o contra o anexo consular na embaixada do Irã em Damasco, em 1º de abril, que desencadeou a atual troca de hostilidades —, mas informações da imprensa americana sugerem que o sistema de radar de uma instalação nuclear em Isfahã era um dos alvos. A Agência Internacional de Energia Atômica, porém, não identificou danos a nenhuma planta nuclear. Em Nova York, onde participa de reuniões na ONU, o chanceler iraniano, Hossein Amirabollahian, disse que não houve danos ou vítimas, algo confirmado por imagens de satélite e agências de inteligência.
Desde sábado passado, lideranças israelenses prometiam uma resposta dura contra Teerã, e havia o temor de que a retaliação envolvesse a destruição de alvos militares e ligados ao programa nuclear em território iraniano. Mas as ações de Israel, o tom dos discursos e até a pressa de Teerã em retomar a rotina apontam para o arrefecimento da crise bilateral, enquanto cresce o temor de ofensiva na cidade de Rafah, no extremo sul do enclave, onde centenas de milhares de pessoas estão abrigadas.
Em conversa com o chanceler iraniano, o ministro das Relações Exteriores da Jordânia, Ayman Safadi, disse que seu país não se tornaria uma “arena de conflito entre Israel e Irã” e apontou que a escalada “serve como uma distração para a agressão israelense em Gaza, atrapalhando o que deveria ser a prioridade” para todos os países da região.
Além de terem aberto caminho para os primeiros ataques diretos entre Israel e Irã em seus respectivos territórios em 45 anos, o ataque do Hamas em outubro do ano passado e a subsequente ofensiva israelense no território palestino, que completaram mais de seis meses, movimentaram engrenagens ao redor do Oriente Médio diretamente ligadas a iranianos e israelenses. Criando, como o porta-voz do Exército de Israel, Daniel Hagari, afirmou na segunda-feira, uma “guerra de múltiplas frentes”.
Na fronteira Norte de Israel, o Hezbollah, financiado por Teerã e que tem à disposição um considerável arsenal de foguetes e mísseis, mantém um conflito de baixa intensidade com Israel. Os israelenses reforçaram posições na região, mas, por enquanto, a milícia, seguindo a mesma linha do Irã, diz que não quer uma guerra total, como a ocorrida em 2006.
Um pouco mais distantes, os houthis no Iêmen, igualmente alinhados a Teerã, realizam ataques recorrentes contra navios mercantes na região do Golfo de Áden, que dá acesso ao Mar Vermelho e é uma das rotas mais movimentadas do planeta. E no Iraque e Síria, grupos armados pró-Irã atacaram nos últimos meses posições dos EUA, deixando três mortos em uma dessas ações, em janeiro, na Jordânia.
As milícias creditam seus ataques a uma “solidariedade com o povo de Gaza”, e afirmam que não baixarão as armas enquanto não houver um cessar-fogo, algo que não parece perto de acontecer.
Horas antes de as explosões serem reportadas em Isfahã, o jornal “New Arab” reportou que o premier Benjamin Netanyahu havia obtido o aval de Washington para a ofensiva na cidade desde que não lançasse um ataque de grande porte ao Irã. Ao portal Axios, integrantes do governo americano negam que tal autorização tenha sido dada, embora reconheçam que o conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, conversou com seu homólogo israelense, Tzachi Hanegbi, na quinta-feira.
“A discussão ocorreu em formato reduzido, para debater o ataque do Irã e os esforços coletivos para incrementar a defesa de Israel”, diz comunicado da Casa Branca, publicado na quinta-feira. “O lado americano expressou suas preocupações com as ações em Rafah, e os israelenses concordaram em levar essas preocupações em conta.”
Neste momento, a estratégia da Casa Branca parece ser de controle de danos. O plano para invadir Rafah foi aprovado por Netanyahu em março, apesar dos apelos em Washington, que incluíram até a ameaça de mudanças na política de ajuda financeira e militar. O presidente Joe Biden, sob pressão de parte de seu eleitorado sobre as políticas para Gaza, chegou a dizer em entrevista, em março, que a invasão da cidade seria uma “linha vermelha”, mas se corrigiu pouco depois.
Nesta sexta-feira, a rede ABC afirmou que Israel realizou “avanços significativos” para retirar um milhão de civis de Rafah, sem explicar para onde seriam enviados e em quais condições serão mantidos. A cidade, que antes da guerra tinha 250 mil habitantes, hoje abriga 1,3 milhão de pessoas — mais da metade da população de 2,3 milhões do enclave —, muitas vivendo em tendas improvisadas nas ruas e sujeitas à falta de alimentos, de água e de saneamento.
De acordo com o “New Arab”, Israel já notificou as autoridades egípcias de que realiza ataques cada vez mais próximos à fronteira com o objetivo de preparar o caminho para Rafah. Uma fonte do governo do Egito disse ao jornal que o plano é “dividir” Rafah em quatro setores, forçando os civis de uma área para outra durante os combates — o Cairo já espera uma onda de refugiados, e imagens de satélite, publicadas pelo jornal “Haaretz”, mostram que uma “cidade de tendas” foi construída do lado egípcio. Se houver uma ofensiva, são esperadas cerca de 200 mil pessoas, segundo a imprensa local, que ficarão confinadas a um território neutro, sem possibilidade de se movimentar pelo país.
Caso os piores temores se confirmem, com o agravamento da crise humanitária, o êxodo de centenas de milhares de palestinos de Gaza e um grande número de vítimas, a já elevada temperatura das ruas do Oriente Médio aumentaria ainda mais, arriscando uma resposta das milícias armadas, mesmo sem o aval de Teerã.
No caso dos houthis, que, apesar de integrarem o chamado “Eixo da Resistência”, não se veem sob comando iraniano, o grupo poderia intensificar e ampliar suas ações contra navios ao redor do Iêmen. Com um número maior de ataques, países como EUA e Reino Unido reforçariam suas posições navais na região, incluindo no Golfo Pérsico, onde houve incidentes entre embarcações ocidentais e iranianas nos últimos anos.
No caso dos grupos armados no Iraque e Síria, a morte dos militares americanos em janeiro, que levou a uma resposta de Washington, ressalta os riscos de um erro de cálculo. Antes do ataque iraniano a Israel, os americanos reforçaram suas posições ao redor do Oriente Médio e deixaram claro que não participariam de qualquer ação ofensiva dos israelenses. Por enquanto, a estratégia foi eficaz, mas, assim como os houthis, alguns dos grupos têm agendas militares e políticas próprias.
Ao mesmo tempo, ataques israelenses contra membros de alto escalão da Guarda Revolucionária fora do Irã — que levou aos atritos dos últimos dias — trazem o risco de uma nova retaliação iraniana, se mais um (ou alguns) de seus generais sejam assassinados. Nos últimos meses, foram 18 oficiais mortos em ações atribuídas a Israel, incluindo os três que estavam no consulado em Damasco. Neste cenário, o Irã poderia escolher não usar seu próprio território para retaliar, tampouco seus próprios mísseis, delegando a tarefa ao Hezbollah, com resultados difíceis de se prever.