Ao menos 2 milhões de munições foram vendidas irregularmente no país durante a gestão Bolsonaro (PL), segundo relatório de auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União).
Segundo dados do Sicovem (Sistema de Controle de Venda e Estoque de Munições), utilizado pelo Exército, as munições foram adquiridas utilizando CPFs de menores de 18 anos, bem como de pessoas falecidas, além de não informar o devido número de registro da arma.
A auditoria mostrou ainda que o sistema permitiu a venda de munições em calibres diferentes dos relativos às armas registradas. Por exemplo, foi possível comprar munição de fuzil 5,56 mm utilizando o documento de uma arma calibre 22.
Foram registradas 164 vendas a 151 CPFs de menores de 18 anos, além de 6.669 munições destinadas a pessoas falecidas. Outras 30.409 foram liberadas para armas que já constavam no sistema como perdidas, roubadas ou furtadas, e ainda 267.993 munições destinadas a colecionadores e armas de acervo de coleção que, na prática, não podem ser usadas. Os dados foram organizados pelo Instituto Sou da Paz.
Segundo Bruno Langeani, consultor sênior da entidade, após os problemas de liberação de armas com registro no Exército para criminosos, o ponto mais grave é o das munições.
“O sistema atual usado por lojistas é praticamente um formulário online, que aceita acriticamente qualquer informação fornecida, sem travas que previnam fraudes”, disse.
Como a Folha mostrou em novembro de 2022, uma organização criminosa liderada por irmãos gêmeos no Maranhão foi acusada de despejar cerca de 60 toneladas de munição no mercado ilegal do Brasil. Essa organização só conseguiu agir por conta de uma falha primária no Sicovem.
A investigação da Polícia Civil e da Promotoria do Maranhão apontou que membros da suposta organização introduziram por mais de um ano, de novembro de 2020 a março de 2022, informações falsas no sistema do Exército.
O Sicovem é um sistema usado pelo Exército cujo objetivo é realizar o controle em tempo real da venda de munição do fabricante a estabelecimentos comerciais e dos lojistas ao consumidor final, evitando, assim, possíveis desvios.
Implantado em 2007, por força de portaria do próprio Ministério da Defesa, o sistema pertence à CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos), que praticamente monopoliza a venda de munições para uso não militar no país. Essa relação é criticada por especialistas em segurança pública.
“O cerne do problema está no abandono do Exército em ter um sistema próprio. O Exército confia em usar um sistema da empresa, que se beneficia mais quanto maior for o volume de suas vendas, e que, portanto, não tem interesse em travar. Esse interesse deveria ser do poder público, representado pelo Exército”, disse Langeani.
A falta de controle na venda de munições também foi discutida em uma audiência pública no último dia (19) na Comissão de Segurança Pública do Senado. Na ocasião, o diretor de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército Brasileiro, general Marcus Alexandre Fernandes, afirmou que a situação está sendo resolvida.
“Nós iniciamos o desenvolvimento de um sistema novo em 2021, ele não está finalizado. Falta pouco para termos um Sicovem com cruzamento de dados, a pessoa terá que entrar com o gov.br, e o CPF já vai ser buscado no site da Receita”, disse.
E acrescenta: “Vai ter acesso também à base de dados do Sigma [Sistema de Gerenciamento Militar de Armas], tendo acesso aos dados dos atiradores. A gente acredita que tão logo esse sistema esteja pronto, nós consigamos resolver de forma definitiva esse ponto”, disse.
O líder da bancada da bala e presidente da Comissão de Segurança e Crime Organizado da Câmara, o deputado Alberto Fraga (PL-DF), disse que houve negligência de membros do poder público, que precisam ser responsabilizadas.
“Me assusta o TCU fazer um relatório desses, ele tem que fiscalizar as contas, virou polícia? Nós temos que disciplinar para não acontecer esse tipo de coisa, disciplinar é uma coisa e marginalizar os atiradores é outra”, disse.
A Folha já havia mostrado outras irregularidades apontadas pelo TCU, entre elas que ao menos 8% das armas apreendidas por serem usadas em atividades criminosas no estado de São Paulo pertenciam a CACs (colecionadores, atiradores desportivos e caçadores).
Além disso, 5.200 condenados pela Justiça conseguiram obter, renovar ou manter o registro de CAC no Exército entre 2019 e 2022. Eles respondiam principalmente a acusações por porte ou posse ilegal de armas, lesão corporal e tráfico de drogas.
Apontamentos da auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União)
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5.200 condenados pela Justiça conseguiram obter, renovar ou manter o registro de CAC (caçador, atirador e colecionador) no Exército entre 2019 e 2022
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O Exército não verificou a frequência de atiradores desportivos, característica que os define, em clubes de tiro e campeonatos quando foram renovar o certificado de registro
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Apenas 10,37% das pessoas físicas que tiveram permissão para se tornar caçador pelo Exército solicitaram e obtiveram autorização do Ibama para abate de javali
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Ao menos 8% das armas apreendidas por serem usadas em atividades criminosas no estado de São Paulo pertenciam a CACs
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Foram identificadas mais de 100 mil armas com status de regular no sistema do Exército que estavam com CACs com certificado de registro cancelado, vencido e falecido
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Munições foram adquiridas utilizando CPFs de menores de 18 anos, bem como de pessoas falecidas, além de não informar o número de registro da arma
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Havia registros incompletos ou inconsistentes sobre armas e seus respectivos proprietários no Sigma, como 60 mil cadastros com informações de endereço residencial faltantes;
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O cruzamento de CPFs revelou que o sistema do Exército aceitou 343 CPFs inexistentes na base da Receita Federal, resultando em 123 registros emitidos