Experimente entrar em uma academia com uma criança – nem precisa ser muito pequena. Se ela aparentar ter 12 anos ou menos, são grandes as chances de um professor imediatamente pedir para que ela se retire. Em muitas academias, meninos e meninas abaixo de 14 anos não podem se matricular ou treinar, e aquelas abaixo de 12 anos sequer são liberadas para circular no recinto.
Claro, um ambiente tradicional de musculação não é lá dos mais seguros para os pequenos. Eles são naturalmente curiosos e vão querer mexer nos pesos ou experimentar os equipamentos – nesse sentido, é óbvio que existe risco de acidentes. Portanto, é saudável que haja certa restrição em relação à presença de crianças nesses ambientes, especialmente ao falarmos das menorzinhas. Mas, na maioria das academias, existe uma intransigência excessiva (e muitas vezes injustificada) com o público infanto-juvenil.
Os riscos de acidentes, como bem sabemos, são manejáveis, e é perfeitamente possível criar espaços de treinamento seguros para crianças acima de certa idade. O problema é que existem muitos medos e tabus quando se trata de treinamento de força para esse público. Abaixo, vou esclarecer as principais questões.
A partir de qual idade é possível treinar?
Isso é difícil dizer com precisão, já que os estágios de maturação física, cognitiva e emocional são diferentes para cada criança. A literatura sugere que, se uma criança está pronta para cumprir um programa de treinamento em qualquer atividade desportiva, ela também é capaz de realizar um treinamento de força. Em geral, isso ocorre por volta dos 8 anos de idade – e, portanto, é difícil justificar, com base na ciência, a proibição de crianças de 10 anos ou mais em academias.
Creio que seja desnecessário dizer que, para crianças e adolescentes, o treinamento de força deve ser adaptado a essa população, assim como ocorre para outros tipos de exercícios. Logo, quando falamos de treino de força para criança, não nos referimos necessariamente à musculação tradicional.
Vai ficar baixinho?
Um dos maiores tabus sobre o treinamento de força em crianças é o receio de que, de alguma maneira mágica, esses exercícios atrapalhem o crescimento. Vale ressaltar: não passa de tabu.
Alguns tentam justificar essa ultrapassada ideia usando o fato de que jogadores de basquete e vôlei ficam altos, ginastas ficam baixos e nadadores desenvolvem ombros largos. O erro aqui está na relação de causalidade. Ao invés de deixar o corpo das pessoas com essas características, essas modalidades selecionam indivíduos com esses perfis. Em outras palavras, quem tiver certos atributos físicos tende a se dar melhor em alguns esportes – é o que chamamos de seleção artificial (em alusão à famosa seleção natural do Darwin).
Se nenhum tipo de treinamento é capaz de deixar as pessoas mais altas ou baixas, podemos concluir que a musculação também não tem esse poder. Ninguém deixará de crescer por praticar treino de força.
Todavia, existe uma possibilidade, ainda que bastante pequena, de a sobrecarga excessiva resultar em uma lesão na extremidade de algum osso longo, justamente onde se encontram os chamados “discos epifisários”. Nessa região há um tipo especial de tecido cartilaginoso, a partir de onde os ossos crescem longitudinalmente. Os discos epifisários são de três a cinco vezes menos resistentes às cargas mecânicas do que o osso e, se houver uma carga excessivamente alta, essa região pode sofrer uma lesão. A depender do tipo, o crescimento daquela peça óssea pode ser afetado. Nesses casos, não haverá impacto sobre a estatura da criança, já que apenas aquele osso será afetado; na verdade, podem ocorrer assimetrias, o que me parece um pouco pior. Por isso, enfatizo aqui a importância de não reproduzir em crianças o mesmo modelo de treino que comumente se usa em adultos.
Ademais, os estudos têm mostrado que, se aplicado corretamente e de forma condizente com a idade e com as capacidades da criança, o treinamento de força é de baixo risco. A incidência de lesões é pequena e comparável à de outras atividades esportivas. A maioria delas ocorre por causas acidentais, má execução técnica dos movimentos, uso de movimentos muito complexos para o nível de experiência da criança, e excesso de peso levantado – questões perfeitamente evitáveis com o apoio de um bom profissional.
O treino de força traz benefícios para o público infanto-juvenil?
O treinamento de força, que deve ser entendido não apenas como a musculação, mas qualquer modalidade que envolve sobrecarga mecânica (levantar o peso do próprio corpo ou de colegas ou usar elásticos, medicine balls, pesos, máquinas, etc.) tem diversos benefícios para crianças e jovens.
Para os envolvidos em esportes, por exemplo, o treino de resistência pode melhorar o desempenho e a capacidade de treinar, além de reduzir o risco de lesões esportivas. Outros efeitos positivos incluem ganhos de força, potência e endurance (resistência) muscular. O ganho de músculos, no entanto, é bastante discreto nesse público, e é importante alinhar as expectativas com os jovens, sobretudo para evitar o uso de drogas anabólicas entre aqueles que buscam um atalho para aumentar bíceps, tríceps e companhia.
Nessa idade, o treino de força ainda beneficia a saúde dos ossos, aumentando sua densidade e resistência a fraturas – algo que pode ser muito importante anos depois, durante a velhice. Na fase adulta, essa criança tende a ter uma atitude mais positiva em relação à prática de exercícios. Para completar, há melhora da saúde muscular em geral e ampliação e solidificação do repertório motor do menino ou da menina. A autoestima também sai ganhando.
Com tantos benefícios e baixo risco (se bem planejado e implementado), surpreende que ainda haja tanto preconceito em relação ao treino de força por populações mais jovens.
Porém, por mais que não faça sentido proibir, tampouco seria sensato forçar as crianças a realizarem esse tipo de treinamento. Na infância, as atividades devem ser, acima de tudo, espontâneas, divertidas, lúdicas e com significado. Bom mesmo seria se as crianças não precisassem mais de adultos dizendo como elas devem se mexer – mas isso é assunto para uma outra coluna.