Concepción Alejo está acostumada a ser invisível. Alejo, de 43 anos, retoca a maquiagem em uma manhã de terça-feira e sai de seu minúsculo apartamento na periferia da capital, Cidade do México. Ela caminha até que as pedras de cascalho em torno de sua casa se transformem em paralelepípedos e os cartazes de campanha eleitoral que cobrem pequenos prédios de concreto sejam substituídos por muros imaculados de condomínios fechados da classe alta da cidade.
Alejo está entre os cerca de 2,5 milhões de mexicanos – em sua maioria mulheres – que trabalham como empregados domésticos no país latino-americano, uma profissão que passou a simbolizar as divisões de gênero e classe que há muito permeiam o México.
Mulheres como ela têm um papel fundamental na sociedade mexicana, ao assumir o peso do trabalho doméstico enquanto um número cada vez maior de profissionais mulheres entra no mercado de trabalho. Apesar de reformas levadas a cabo pelo governo atual, muitas empregadas domésticas continuam a se defrontar com salários baixos, abusos por parte de empregadores e longas horas de trabalho. Essa é uma instituição que remonta aos tempos coloniais, e alguns pesquisadores equiparam suas condições de trabalho precárias a uma “escravidão moderna”.
Neste domingo (2), quando o México pode estar a caminho de eleger uma mulher como presidente pela primeira vez, as empregadas domésticas têm a esperança de que ou a ex-prefeita da Cidade do México Claudia Sheinbaum ou a ex-senadora Xóchitl Gálvez, as duas favoritas, possam mudar o equilíbrio de forças a seu favor.
“Nesses anos todos eu nunca votei, porque para nós sempre dá no mesmo quem ganha… Quando foi que eles nos ouviram? Por que eu lhes daria meu voto?”, disse Alejo. “No mínimo, por ter uma mulher, talvez as coisas sejam diferentes.”
Nascida em uma família pobre no Estado de Puebla, no centro do México, Alejo abandonou os estudos aos 14 anos e se mudou para a Cidade do México, onde trabalhava como babá de duas irmãs e dormia no emprego.
“É como se você fosse uma mãe. As crianças me chamavam de mamãe”, contou ela. “Eu dava banho nelas, cuidava delas, fazia tudo desde o momento em que eu acordava até o momento em que elas dormiam.”
Algumas empregadas domésticas moram fora do lugar em que trabalham, mas muitas mais vivem com as famílias que as empregam e trabalham semanas, se não meses, sem dias livres e afastadas de suas família e dos amigos.
Alejo disse que as exigências e os baixos salários do trabalho doméstico a levaram a não ter filhos. Outras empregadas domésticas contaram à Associated Press que foram demitidas quando ficaram doentes e pediram ajuda a seus empregadores.
“Quando você trabalha na casa de outra pessoa, sua vida não é sua”, afirmou Carolina Solana de Dios, de 47 anos, que trabalha como babá e dorme no emprego.
A ajuda delas é essencial para as mulheres que trabalham fora — como Claudia Rodríguez, de 49 anos, que mantém sozinha as duas filhas — e continuam a lutar para entrar em espaços profissionais historicamente dominados por homens. No México e em grande parte da América Latina, a disparidade entre homens e mulheres nos locais de trabalho vem de há muto tempo. Em 2005, 80% dos homens estavam empregados ou à procura de emprego, em comparação com 40% das mulheres, segundo dados do governo mexicano.
Essa disparidade diminuiu ao longo do tempo, mas ainda existem grandes diferenças nos salários e nas funções de liderança.
Nascida em uma cidade que fica a duas horas da Cidade do México, Rodríguez, a mãe e os irmãos fugiram de um pai abusivo e se refugiaram na capital. Em vez de ir atrás do seu sonho de ser uma dançarina profissional, ela passou a trabalhar e estudar para não “fazer o mesmo sacrifício” que sua mãe, que trabalhava duro em vários empregos informais.
Rodríguez passou anos de muito esforço e luta para progredir no setor de TI, mas assumiu todo o trabalho doméstico quando ela e o marido tiveram filhos. Quando o marido a deixou por outra mulher, há seis anos, contratar uma doméstica que dormisse no emprego era a única opção para conseguir sustentar a família.
Hoje, ela e a babá, Irma, acordam às 5 da manhã, e uma prepara o almoço para suas duas filhas enquanto a outra as leva para a escola.
“No caso das mulheres que trabalham fora, não poderíamos cuidar de tudo sozinhas simplesmente porque a sociedade espera demais de nós”, disse ela.
No entanto, um número histórico de mulheres mexicanas têm assumido cargos de liderança, em parte por causa das leis que impõem cotas de gênero para a representação dos partidos políticos. Desde 2018, o Congresso do México está dividido meio a meio entre homens e mulheres e o número de Estados governados por mulheres disparou.
Embora nenhum dos candidatos presidenciais fale explicitamente sobre empregados domésticos, tanto Sheinbaum como Gálvez têm propostas para tratar da violência contra as mulheres e eliminar as disparidades salariais de gênero no país.
Em 2019, o governo do presidente Andrés Manuel López Obrador aprovou uma legislação histórica que garante aos empregados domésticos direitos básicos, como licença remunerada, limite de horas de trabalho e acesso a planos de saúde pagos pelos empregadores.
Mas as falhas do governo em fazer cumprir essas regras deixaram os trabalhadores domésticos desprotegidos e presos a uma “dinâmica de desigualdade de poder”, disse Norma Palacios, que comanda o Sindicato Nacional de Trabajadores y Trabajadoras del Hogar (SINACTRAHO).
“Nada mudou… mesmo se no papel nós devêssemos ter mais direitos trabalhistas”, criticou Palacios.
Nem Alejo, a empregada doméstica, nem Rodríguez, a mãe chefe de família, dizem que se identificam de maneira particular com uma ou outra candidata. Mas as duas planejam votar nesta eleição. Embora considerem os líderes como “mais do mesmo”, elas fazem eco a Palacios ao avaliar que uma mulher na Presidência seria um passo importante.
“Ainda assim, será uma mulher que estará à frente do país — um país sexista, um país de desigualdades, um país de violência contra as mulheres, um país de feminicídios”, afirmou Palacios.
Enquanto isso, trabalhadoras como Alejo sofrem com uma vida precária.
Segundo dados do SINACTRAHO, 98% dos trabalhadores domésticos ainda não têm um plano de saúde. Alejo está entre eles.
Ela finalmente trabalha com uma família gentil, que lhe paga um salário justo, mas ainda está criando coragem para pedir à família que pague seu plano de saúde, pois teme ser substituída se pedir que seus direitos sejam respeitados.
“Eles não gostam que você peça coisas”, contou ela. “Não é fácil encontrar trabalho, e se você precisa trabalhar, acaba por aceitar seja o que for que lhe dão.” (Tradução de Lilian Carmona)