O veto parcial do presidente Lula (PT) ao fim das saídas temporárias de presos, que mantém o benefício em datas comemorativas, mostrou fraqueza do governo federal no tema da segurança pública, conduzido pela oposição, segundo especialistas ouvidos pela Folha.
Eles afirmaram também que a manutenção da volta do exame criminológico para acesso ao direito e a obrigação de tornozeleiras eletrônicas mostram que a aprovação no Congresso Nacional foi feita sem base técnica ou com propostas para melhorar o dispositivo.
Por outro lado, a derrubada do veto, que vai manter a chamada saidinha apenas para trabalho e estudo, é considerada positiva, segundo representante de policiais penais. Mas efeitos das novas regras nos presídios brasileiros, como insatisfação e rebeliões, precisam de um acompanhamento minucioso.
Ainda, o veto tem grandes chances de ser derrubado no Congresso, sobretudo pelo apelo em ano de eleições municipais. Se for mantido, as saidinhas continuam a valer para datas comemorativas.
A fraqueza fica evidente porque o governo não tomou a dianteira no tema da segurança, segundo Rafael Alcadipani, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
“Como o governo não tem um plano de segurança pública que seja mais claro, ou uma política de segurança pública efetiva e eficiente, acaba ficando na mão da oposição com relação a esse tema.”
É o que também diz Cristiano Maronna, diretor do Justa. “O governo não se arrisca a propor uma agenda de segurança pública que tenha coerência com o discurso do campo da esquerda.”
Apesar disso, ele considera o veto postivo. “Parecia que o governo tinha de fato aberto mão de qualquer resistência na pauta da segurança pública, na qual a saidinha é uma das bandeiras mais visíveis.”
Maronna, que defende a manutenção da saidinha, aponta, no entanto, que a volta do exame criminológico, que não foi vetado, é um “retrocesso atroz”.
“Não tem eficácia, e analisa a probabilidade de reincidência de forma aleatória. Esse exame havia sido extinto porque não era eficiente. Pode acabar sendo, como a tornozeleira, uma barreira para o benefício.”
Isso porque os problemas com a falta de tornozeleiras ou a estrutura deficitária dos estados para o monitoramento e a operação de alertas podem inviabilizar o uso dos dispositivos. Assim, é provável que a Justiça negue o benefício por não ter a estrutura, diz Maronna.
“Vai acabar impondo um ônus do Estado ao cidadão acusado, o que é um completo absurdo.”
Já o custo do exame criminológico, apenas para o estado de São Paulo, foi estimado em R$ 30 milhões, diz Leonardo Santana, assessor de advocacy da Rede Justiça Criminal. “E tudo isso foi ignorado durante o processo legislativo.”
Para Santana, também faltou uma avaliação sobre o impacto econômico das tornozeleiras. “Estamos alertando as administrações, porque não é só o custo do equipamento. Há também a instalação e o acompanhamento, e são coisas que não foram computadas.”
Para o presidente da Ageppen Brasil (Associação dos Policiais Penais do Brasil), Ferdinando Gregório Querino da Silva, a restrição da saidinha é positiva. Ele, favorável ao benefício apenas para estudo e trabalho, avalia a questão em duas frentes: a da sociedade e a dos policiais.
“Como cidadão, obviamente o interesse é que não haja saídas temporárias, porque a forma com que elas vêm sendo aplicadas é errada. Tanto que muitos praticam outros crimes”, afirma Ferdinando. “Como o Estado falha em fiscalizar, o caminho mais fácil é barrar esse benefício.”
Mas dentro do sistema prisional, segundo Ferdinando, a retirada de direitos pode provocar instabilidade. Ele defende mais apoio do governo aos policiais penais, que hoje enfrentam falta de mão de obra e estruturas defasadas nos presídios.
Para Alcadipani, da FGV, o sistema carcerário precisa avaliar melhor quem tem direito ao benefício. “É preciso entender quem terá menos possibilidade de reincidir, quem está com uma vida mais organizada para não reincidir.”
Já Maronna, do Justa, defende mudanças como um tempo maior de cumprimento da pena para acesso à saidinha entre os presos que cometeram crimes com violência ou grave ameaça.