A virada do ano é uma época em que muitos aproveitam para traçar metas de saúde. É evidente que, para que qualquer mudança aconteça, são necessários empenho, dedicação e força de vontade. No entanto, o que muitos influenciados propagam é a ideia de que “se eu consigo, você também consegue”. Mas será que é simples assim? Vamos analisar algumas situações.
Na primeira, você chega em casa após um dia exaustivo de trabalho. O cansaço é grande e a fome, maior ainda. Ao entrar na cozinha, se depara com um saco aberto de amendoim e pão francês em cima da pia. Ao abrir a geladeira, percebe que ela está cheia de alimentos, mas a maioria exige preparo: legumes crus, verduras para lavar, carnes para cozinhar e outros ingredientes que exigem algum tipo de esforço.
Mas também há opções fáceis: um pacote de queijo mussarela, um pote de manteiga e, para completar, a torta de sobremesa que sobrou do final de semana – sua favorita. Cansado e com fome, você reflete que o caminho mais fácil é montar um sanduíche rápido e/ou atacar o amendoim e a sobremesa.
Agora, em uma segunda situação, imagine que você chega em casa igualmente cansado e faminto. Mas, ao entrar na cozinha, não há nenhuma “tentação” à vista. Ao abrir a geladeira, encontra potes de comida já preparada, que apenas precisa ser aquecida. Além disso, há salada e frutas frescas, já lavadas e picadas, prontas para consumo. A decisão de se alimentar de maneira saudável parece muito mais fácil e acessível, já que o ambiente facilita escolhas mais alinhadas aos seus objetivos de longo prazo.
O peso do ambiente
É natural pensar: “Eu cozinharia, mesmo cansado.” E, de fato, pode até acontecer de você conseguir fazer essa escolha em um dia ou outro. No entanto, quando a exaustão é constante, a fome é voraz e o ambiente (seja pela disponibilidade ou custo) não facilita escolhas saudáveis, o desgaste se acumula. O caminho mais fácil acaba sendo priorizado – ele traz prazer e alívio imediato, possibilita um pouco de tempo para sentar-se no sofá e ficar relaxado em frente a alguma tela, seja da TV ou do celular. Você fica anestesiado.
No dia seguinte, qual será sua escolha? E no próximo, ou no outro? Quando repetimos esses comportamentos, eles se transformam em hábitos difíceis de mudar.
Mas, então, por que a pessoa não deixa a comida preparada antes? Por que chega faminta? As razões podem ser inúmeras. Imagine alguém que sai de casa às 5h da manhã para pegar condução, trabalha em pé o dia todo e retorna perto das 20h, depois de enfrentar horas de trânsito. Ao chegar, precisa dar atenção aos filhos, tem a casa para arrumar e deve dormir logo, para se levantar cedo e recomeçar tudo. Essa é uma realidade comum para muitos, e que demonstra como o ambiente e as condições podem dificultar as decisões.
Além disso, considere que uma coisa é chegar em casa exausto e faminto depois de um dia produtivo, recompensador. Outra é depois de um dia difícil, estressante e emocionalmente desgastante. Em cada uma dessas situações, a capacidade de escolha se altera, e muito.
Esses exemplos ilustram algo fundamental: o autocontrole não depende apenas da força de vontade. Estudos recentes sugerem que ele resulta de uma interação complexa entre biologia, psicologia e ambiente. Traduzindo: está intimamente relacionado a fatores como aspectos cognitivos, fisiológicos, motivação, hábitos e o ambiente em que estamos inseridos.
A genética e o autocontrole
É isso mesmo: até mesmo a nossa genética influencia o autocontrole. Um estudo realizado em gêmeos mono e dizigóticos (idênticos e não idênticos) verificou que cerca de 60% da variação na capacidade de autocontrole é explicada geneticamente. Isso significa que apenas 40% dessa competência depende de fatores ambientais.
Além disso, existe uma área no cérebro chamada córtex pré-frontal que tem uma função primordial na nossa capacidade de controlar os comportamentos impulsivos. Estudos indicam que questões genéticas e a presença de obesidade podem estar associadas a alterações no volume e na conectividade do córtex pré-frontal, prejudicando a capacidade de resistir a alimentos altamente calóricos. Ou seja, influenciando o poder de escolha.
Autocontrole é (muito) diferente para cada pessoa
Um aspecto que muitos desconhecem é que o autocontrole é necessário apenas quando estamos divididos entre duas ou mais opções. Sem esse conflito, não há necessidade de exercê-lo.
Pense em duas pessoas decidindo se vão se exercitar após um dia cansativo: uma só tem a opção de musculação, que não gosta. A outra pode jogar futebol, algo que ama e inclui momentos agradáveis com amigos. Enquanto a primeira precisa escolher entre descansar ou realizar algo pouco prazeroso, a segunda decide entre repousar ou fazer uma atividade agradável.
Essa diferença se conecta à teoria de Michael Inzlicht, que entende o autocontrole como uma motivação dinâmica, baseada no equilíbrio entre esforço e recompensa. Nosso cérebro avalia constantemente os custos e benefícios das ações, ajustando nosso comportamento conforme o valor percebido.
No caso da musculação, o esforço parece superar o benefício, levando a pessoa, muitas vezes, a preferir o descanso. Já no futebol, o prazer envolvido tende a tornar o esforço mais recompensador, ajudando a superar o cansaço. Isso desmonta a ideia de que autocontrole é apenas força de vontade; ele está profundamente ligado ao contexto, às motivações e às recompensas emocionais.
Ou seja, influenciadores que amam o que fazem e comem, não precisam de autocontrole para isso, pois não há conflito de escolha. Por isso, comparações diretas, como o famoso “se eu posso, você também pode”, são desleais e pouco produtivas, já que, em geral, essas pessoas não enfrentam os mesmos desafios de autocontrole em suas escolhas.
Como facilitar o autocontrole?
Entender o contexto individual e organizar seu ambiente para reduzir decisões difíceis é essencial. Pesquisas mostram que quem parece ter mais autocontrole, na verdade, evita situações que exijam escolhas e esforços constantes. Estudiosos do tema dizem que a melhor estratégia de autocontrole é não se colocar na situação de escolha.
Por exemplo, é mais fácil evitar comer um pote de sorvete à noite se você não tiver sorvete em casa! Entenda quais são os comportamentos mais desafiadores e os alimentos mais irresistíveis para você e evite tê-los por perto, ou troque por opções que, apesar de não serem as preferidas, podem cumprir uma função. Nessa linha, que tal não ter um pote de sorvete em casa, mas sim um bombom gostoso? Só não vale manter o pacote inteiro à disposição.
Planeje pequenas mudanças, como ter refeições semi-prontas na geladeira, levar um lanche para o trabalho e deixar frutas ou opções de sobremesa à mão e porcionadas. Essas estratégias podem transformar suas escolhas.
A chave está no planejamento e no primeiro passo. Organize o ambiente a seu favor e, aos poucos, torne as boas escolhas mais fáceis e naturais, até que elas se tornem um hábito. Afinal, autocontrole não precisa ser uma batalha de força de vontade, mas sim um jogo de estratégia no qual você pode dar o primeiro passo e continuar avançando, sem perder a cabeça.