As doenças cardiovasculares estão por trás da morte de 400 mil brasileiros todos os anos. “Também causam impacto econômico substancial nos sistemas de saúde”, comenta a nutricionista Valéria Machado, mestre e doutora em ciências aplicadas à cardiologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Esse cenário poderia ser muito diferente já que, como atesta a literatura científica, estratégias de prevenção são bastante eficazes para afastar o infarto e o acidente vascular cerebral, o AVC. Entre as principais ameaças às artérias, vale destacar o tabagismo, o alcoolismo, a obesidade, o acúmulo de gordura na região abdominal, a hipertensão, o diabetes e o estresse emocional. “A dislipidemia é um dos mais importantes fatores de risco”, acrescenta Álvaro Avezum, cardiologista e head do Centro Especializado em Cardiologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. O médico refere-se ao distúrbio marcado pelo desequilíbrio das taxas de colesterol.
Embora essa molécula gordurosa seja indispensável ao organismo, já que participa da fabricação de hormônios, entre outras funções, sabe-se que o desequilíbrio é prejudicial. “Para que circule pelos vasos sanguíneos, o colesterol se utiliza de partículas transportadoras”, explica Avezum. Os veículos que dão essa carona são aqueles que aparecem nos exames, nas siglas LDL (ou lipoproteína de baixa densidade) e HDL (a lipoproteína de alta densidade).
O primeiro, também conhecido como colesterol ruim, leva a molécula do fígado para os tecidos do corpo e pode deixar resquícios de sua carga pelas artérias, favorecendo a formação de placas e propiciando a aterosclerose. O ideal é manter os níveis abaixo de 100 mg/dl.
Já o HDL, o bom, devolve o colesterol para o fígado e, de lá, é eliminado. Esse tipo evita acúmulos perigosos e ajuda a manter os vasos saudáveis. “Níveis acima de 60 mg/dl são considerados ótimos”, aponta o médico.
Pacientes com alto risco cardiovascular, caso de pessoas com diabetes e daquelas que já colocaram stent, precisam apresentar números ainda mais rigorosos.
Níveis em equilíbrio
Para manter essas taxas em ordem, são várias as frentes. Em certas situações, claro, é preciso lançar mão de remédios, caso das estatinas, que já contam com várias versões. “Existe também uma nova classe de medicamentos injetáveis, que inibem enzimas no fígado, num mecanismo que reduz o LDL”, diz Avezum.
Mas o estilo de vida tem papel preponderante, especialmente em termos de prevenção. A prática cotidiana de exercícios, por exemplo, atua no equilíbrio, contribuindo para o aumento do HDL – sobretudo os aeróbicos, ou seja, caminhada, corrida e natação. Gerenciar o estresse é mais uma atitude em prol do coração, assim como manter o peso saudável.
Outra medida fundamental é lançar mão de uma alimentação equilibrada, que ajuda a combater a obesidade e, por isso, é um dos pilares da saúde cardiovascular.
Um artigo publicado no European Heart Journal sugere a adoção de uma dieta similar à mediterrânea para proteger as artérias. Entre os itens consumidos pelos povos daquela região há destaque para frutas, hortaliças, grãos integrais e lácteos magros. “Eles valorizam a comida de verdade, com ingredientes frescos”, afirma a nutricionista Tarcila Campos, do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes, do Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo.
Também privilegiam as gorduras boas, isto é, as mono e poli-insaturadas – do azeite, das castanhas, do abacate e dos peixes – e ingerem pouca quantidade do tipo saturado, que aparece em alimentos de origem animal, como a carne vermelha.
“Existem muitas evidências, vindas de estudos epidemiológicos, observacionais e também de intervenção, sobre o impacto do consumo de gorduras saturadas e das trans na elevação do LDL-colesterol e do risco cardiovascular”, comenta a nutricionista Milena Gomes Vancini, coordenadora do ambulatório de nutrição em cardiopatia hipertensiva, lípides, aterosclerose e biologia vascular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). As gorduras trans ainda podem dar as caras em salgadinhos, sorvetes, biscoitos recheados, entre outros. A dica é prestar atenção às informações dos rótulos.
Evitar exagero no carboidrato é mais uma indicação. “Observamos, em nosso estudo, a relação entre o excesso, sobretudo de opções refinadas, de má qualidade, com aumento do risco cardiovascular”, diz Avezum, que é um dos coordenadores do PURE (The Prospective Urban Rural Epidemiology), uma grande pesquisa, que reúne dados de 101 países, com mais de 300 mil indivíduos no mundo.
Fique claro que não se recomenda excluir o nutriente do dia a dia, até porque ele é nossa principal fonte de energia, mas vale moderar na quantidade e caprichar nas escolhas, dando prioridade às versões integrais, que não ocasionam picos de açúcar no sangue.
Dentro do contexto saudável, tudo é permitido, mas existem alguns alimentos que despontam em estudos pela atuação em prol do equilíbrio do colesterol. Confira 11 exemplos:
1- Abacate
Esse fruto nativo da América Central contém as gorduras mono e poli-insaturadas que favorecem a saúde das artérias.
A polpa cremosa apresenta ainda o beta-sitosterol, uma substância de estrutura química semelhante ao colesterol. Por ser tão parecida, compete para entrar nas células intestinais, contribuindo, assim, para reduzir os níveis dessa molécula engordurada na circulação sanguínea.
“Além da receita de guacamole que, inclusive, pode substituir a manteiga, o abacate fatiado fica ótimo em saladas”, sugere Tarcila. Tem também as preparações doces, algumas em forma de creme, que casam bem com o iogurte. “Só vale redobrar o cuidado com o tamanho das porções, afinal o fruto é bastante calórico”, avisa a nutricionista.
2- Aveia
Um dos primeiros alimentos a receber o selo de funcional, isso na década de 1990, a aveia oferece fibras solúveis, especialmente as betaglucanas. “Elas formam uma substância viscosa no intestino, que se liga ao colesterol e facilita sua excreção”, explica Valéria.
A nutricionista comenta ainda que o cereal ajuda a aumentar a saciedade e a controlar os níveis de glicose no sangue. “Dessa forma, contribui para a prevenção de outras doenças, como o diabetes tipo 2″, diz.
“Pode compor a dieta em forma de mingaus, smoothies ou até mesmo como ingrediente em pães e bolos integrais”, sugere. Também fica perfeita salpicada em frutas, saladas e outras preparações.
3- Azeite de oliva
Grande parte da composição do óleo das azeitonas é de monoinsaturados, festejados pelos benefícios cardiovasculares. “Esses ácidos graxos – partículas de gordura – ajudam a reduzir os níveis de LDL-colesterol e apresentam propriedades anti-inflamatórias”, afirma Valéria. Tais efeitos são cruciais para reduzir o risco da formação de placas ateroscleróticas.
“O azeite contém ainda os polifenóis, que combatem o estresse oxidativo”, diz a nutricionista. Esse mecanismo também blinda os vasos.
“Pode ser utilizado como tempero para saladas, em molhos e até para cozinhar, desde que em temperaturas moderadas”, recomenda.
Também incrementa as mais diversas receitas, de massas à sobremesas. Não à toa, o ingrediente é uma das estrelas da dieta mediterrânea.
4- Leguminosas
“O grupo, que engloba feijões, soja, grão-de-bico, ervilha e lentilha, é rico em fibras, que interferem com a absorção do colesterol, ajudando a reduzir os níveis em circulação”, explica Tarcila.
A soja contém ainda a isoflavona. “Trata-se de uma substância antioxidante e protetora das artérias”, comenta.
Outra vantagem de incluir essa turma no cardápio é que são boas fontes de proteínas. Assim, podem ajudar a diminuir o consumo de carne vermelha. Bifes e afins tendem a concentrar gordura saturada, um tipo que, em excesso, está envolvido em males cardíacos.
Além do feijão de todo dia, que combina com o arroz, as leguminosas podem entrar em saladas, sopas e tantas receitas. “O grão-de-bico é matéria-prima do homus, uma pasta que fica perfeita em torradas, canapés, pães”, diz a nutricionista. Já a soja aparece em diferentes versões, como o PTS, o tofu e o missô, incrementando o cardápio de veganos, por exemplo.
5- Frutas vermelhas
Amora, framboesa, cereja, morango e mirtilo são as chamadas “berries”. Elas ajudam a combater a oxidação do colesterol, num mecanismo que contribui para a redução do risco da formação de placas nas artérias. “Vale destacar os compostos fenólicos, grupo com ação antioxidante”, aponta Tarcila.
Mas frutos nativos do Brasil também esbanjam tais substâncias, embora apresentem diferentes colorações. É o caso da jabuticaba, da pitanga, do açaí e do camu-camu.
Além do consumo in natura, tanto as frutas gringas, quanto as brasileiras entram em receitas de geleias, sucos, sobremesas e onde mais a criatividade levar.
6- Maçã
Entre gala, fuji, argentina ou red e a verde, também chamada Granny Smith, que tal fazer um rodízio? Qualquer uma delas oferece quercetina, um potente antioxidante que resguarda os vasos sanguíneos.
Elas também contêm a pectina, fibra envolvida com a proteção cardiovascular.
E uma dica ao saborear é a de não desprezar a casca. Lá também há grande quantidade de compostos benéficos. Mas é fundamental caprichar na limpeza, e, se puder optar por versões orgânicas, tanto melhor.
7- Oleaginosas
O nome do grupo denuncia a presença de óleos ou de ácidos graxos, que são os pedacinhos que compõem as gorduras. “As oleaginosas oferecem boas proporções de mono e poli-insaturados”, diz Tarcila. A dupla aparece em estudos pelos efeitos cardioprotetores. Castanhas, amêndoas, avelãs, nozes e macadâmias também contêm fibras, entre outros compostos, que ajudam a arrastar o colesterol para fora da circulação.
Mesmo com toda essa riqueza, a recomendação é ir com muita parcimônia, já que a turma apresenta grandes somas de calorias. “O ideal é consumir um porção de 30 gramas ou o que cabe na palma da mão fechada”, sugere. Exagerar favorece o ganho de peso, fator que põe o coração em risco.
“Servem como opção de lanche da tarde, já que não precisam de refrigeração”, indica a nutricionista. Fazem bonito ainda em saladas, no iogurte e em tantas outras preparações.
8- Prebióticos e probióticos
Essa dupla está aqui porque existem indícios, vindos de pesquisas mundo afora, de que zelar pela microbiota intestinal ajuda a afastar a aterosclerose.
Os prebióticos são como fibras especiais que favorecem a proliferação de bactérias benéficas que povoam o intestino. Chicória, cebola, alcachofra e aspargo são fornecedores da substância.
Já os probióticos, pela definição da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), são “micro-organismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem benefício à saúde do indivíduo”. Iogurtes especiais, leites fermentados, kefir e kombucha são exemplos de alimentos que contêm os tais benfeitores.
Garantir um grande número e uma maior diversidade de bactérias no intestino ajuda a combater a disbiose, desequilíbrio desse ecossistema que interfere com a permeabilidade intestinal, permitindo que micróbios nocivos viajem pela circulação, processo que dispara inflamações e coloca as artérias em risco.
“Além de prebióticos e probióticos, o cuidado com a microbiota envolve maior consumo de alimentos in natura e menor ingestão das gorduras saturadas”, avisa Milena.
9- Sardinha, salmão e atum
Abrir espaço para pescados no cardápio é uma atitude sempre muito bem-vinda: supernutritivos, eles são fontes de proteína, de vitaminas e de sais minerais. E há algumas espécies, caso da sardinha, do salmão e do atum, que ainda oferecem ômega-3. “A substância colabora para a redução dos marcadores inflamatórios, da agregação plaquetária e melhora da função a endotelial”, diz Milena. Todos esses efeitos blindam os vasos sanguíneos.
“A sugestão é incluir, ao menos, duas porções por semana”, orienta a nutricionista.
O ideal seria saborear esses peixes frescos, mas eles nem sempre são acessíveis. Como alternativa, dá para apostar em opções enlatadas, conservadas em óleo vegetal. “Podem ser consumidas em pequenas quantidades, dentro de um padrão alimentar equilibrado”, sugere.
Vale prestar muita atenção aos rótulos, especialmente ao teor de sódio, ingrediente que, em excesso, pode elevar a pressão arterial.
10 – Sementes de chia e linhaça
Eis mais uma dupla que oferece o ômega-3. “Além de ajudar a reduzir os níveis de LDL, essa gordura apresenta propriedades anti-inflamatórias”, diz Valéria.
A nutricionista destaca ainda a presença de fibras que, como se sabe, interferem com a absorção do colesterol, colaborando na diminuição das taxas em circulação.
A chia já está pronta para ser saboreada, basta acrescentar em frutas, cereais, saladas, sopas e outras preparações. Já a linhaça precisa ser triturada para liberar parte de seus compostos benéficos. A sugestão é bater no liquidificador e consumir em seguida, isso porque ela pode ficar meio rançosa com o passar do tempo. Ela também incrementa diversas preparações, caso de bolos e pães, além de enriquecer sucos e saladas de frutas.
11- Uva
Ela está cheia de fibras, vitaminas, sais minerais, mas o destaque vai para a concentração de compostos fenólicos, em especial o resveratrol. “A substância apresenta efeitos anti-inflamatórios e antioxidantes, reduzindo processos de oxidação do colesterol”, diz Milena. Atua na melhora da função endotelial – o tapete de células que recobre vasos – ajudando a reduzir o risco da aterosclerose.
O suco de uva também oferece esses benefícios. “Mas só vale a versão integral”, comenta a nutricionista. E mesmo assim, suas vantagens estão atreladas ao cardápio equilibrado e estilo de vida saudável.
Bebidas classificadas como néctar ou versões que trazem percentuais baixos da fruta não entram no rol de protetoras, pois costumam carregar açúcar em grande quantidade. A dica de sempre é a de prestar muita atenção às informações trazidas no rótulo.