Da carne para a tábua, da tábua para o tomate, do tomate para a salada, da salada para a boca. Esse roteiro de viagem é comum para a Escherichia coli, uma bactéria por trás de desarranjos intestinais. O trajeto, entretanto, só se dá quando alguns deslizes são cometidos na cozinha.
“Embora muita gente acredite que comer fora seja o principal motivo das chamadas doenças transmitidas por alimentos (DTAs), boa parte acontece em ambientes domésticos”, comenta a nutricionista Maria Tereza de Freitas, professora da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), em Minas Gerais. Ao lado da professora Cristiane Vilas Boas Neves, ela coordena o projeto “Promoção de condições higiênicas adequadas em cozinhas domiciliares do município de Ouro Preto”. Junto de alunos da graduação, a dupla percorre comunidades disseminando informações sobre o assunto.
Além do manuseio inadequado da comida, utensílios como tábuas de cortes, colheres, panelas e potes contaminados podem servir de moradia para os mais diferentes tipos de micro-organismos.
Entre fungos, bactérias e até vírus, desconfortos podem dar as caras, caso da já mencionada diarreia, bem como vômitos, náuseas, gases, dor de cabeça e indisposição. “Os distúrbios gastrointestinais são ainda mais perigosos em idosos, crianças ou em quem apresenta baixa imunidade”, diz a nutricionista Eula Divina Mendes Seco, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, na capital paulista.
Embora a cozinha seja o palco principal, Maria Tereza conta que os cuidados devem começar já na hora das compras, especialmente para itens como carnes, que devem estar em local refrigerado. “Vale observar se têm selos de fiscalização”, sugere. Um exemplo é o SIF, ou seja, o carimbo do Serviço de Inspeção Federal, que ajuda a garantir a sanidade do alimento.
Já em casa, deve-se redobrar a atenção com a higiene em todos os processos, começando com as mãos, e passando por utensílios, equipamentos, acessórios – buchas e panos de prato – e afins.
A professora da UFOP explica que a higienização engloba duas etapas. A primeira é a da limpeza, em que se retira a sujeira, os resíduos visíveis, e se utiliza detergente ou sabão. “Após o enxágue, vem a segunda, ou seja, a desinfecção ou sanitização, que ajuda a eliminar os micróbios”, diz. Pode ser feita com imersão em água fervente ou em uma solução clorada (uma colher de sopa de água sanitária para um litro de água) por 15 minutos.
Assim como o asseio afasta as contaminações, acertar na escolha do utensílio ajuda a evitar a ingestão de componentes nocivos. Potes de plástico, por exemplo, não são as melhores opções para o forno micro-ondas.
“Mesmo os recipientes com selo “microwave safe”, podem liberar pequenas quantidades de substâncias químicas, como o bisfenol A e os ftalatos, quando são aquecidos”, diz a nutricionista Renata Juliana da Silva, professora da Etec Uirapuru/Centro Paula Souza e pós-doutoranda da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP).
Há evidências de que esses compostos causem desajustes hormonais e, por isso, são conhecidos como disruptores endócrinos.
Nesse contexto, melhor optar utensílios de vidro. Inclusive esses modelos também são amigos do meio ambiente. “O vidro pode ser reciclado infinitamente, sem perda de qualidade. Por isso é opção mais ecológica em longo prazo”, observa Renata.
Veja, a seguir, vantagens e desvantagens de alguns dos utensílios de cozinha mais usados:
Colheres para cozinhar
Aqui entram espátulas, escumadeiras e toda a sorte de colheres que ajudam a misturar, bater, entre outras funções indispensáveis ao preparo das receitas.
A colher de pau é velha conhecida dos tachos de doce. “Já as de bambu são comuns na culinária oriental”, comenta a nutricionista e chef de cozinha Juliana Watanabe, mestre em Nutrição e Saúde pela Universidade Internacional de Valencia, na Espanha. Ambas podem ser utilizadas em panelas com revestimento antiaderente.
Para os dois modelos, além do capricho na limpeza, é fundamental garantir que fiquem bem secas antes de guardar. “As de madeira são porosas e absorvem a umidade”, ressalta. Por isso, se forem para a gaveta ainda úmidas, há risco da proliferação de fungos.
“Esses utensílios suportam altas temperaturas, são fáceis de limpar e não danificam as panelas com revestimento antiaderente”, elogia Juliana.
A nutricionista recomenda tomar cuidado ao usá-los em recipientes com bordas afiadas, caso das latas, por exemplo, para evitar que rasguem.
Como esse tipo de colher é produzido com material inerte, não há risco de desprendimento de substâncias.
As de boa qualidade são seguras, não soltam compostos químicos e suportam até 180º C. “Também são opções práticas para higienizar”, diz Juliana.
Com o passar dos anos, tendem a mudar de coloração e até soltar lascas, indicando que é hora de substituição por novas. Uma sugestão é descartá-las em postos de reciclagem.
Tábuas de corte
Elas estão envolvidas em casos de contaminação cruzada, pois contribuem para que micro-organismos sejam transferidos de um alimento para outro.
Foi proibida em cozinhas industriais e mesmo em casa também não é recomendada.
“Com o passar do tempo e o contato com as facas, a tendência é surgirem fissuras em sua superfície”, diz Eula. Esses arranhões servem de reservatórios para micróbios e representam perigo.
E, mesmo para as novas, ao cortar carnes cruas, por exemplo, deve-se evitar o manuseio de outros alimentos.
Churrascos costumam servir de palco para muitos deslizes. Nessas ocasiões, as tábuas acabam desempenhando até o papel de bandeja na hora de servir os convidados.
“Nenhum item pronto para o consumo pode passar por ali se, anteriormente, ocorreu a manipulação de alimentos de origem animal crus“, ensina Maria Tereza.
São as mais usadas, tanto em casa quanto em estabelecimentos comerciais. “Inclusive em restaurantes, há separação por cores, sendo cada tábua para uma finalidade”, comenta Eula. Na cozinha caseira, a dica também é a de procurar manter a exclusividade, sobretudo em relação às carnes.
Embora não seja porosa, o toque frequente das lâminas favorece o seu desgaste. “Quando apresentar marcas escuras, é hora de trocar”, sinaliza Eula.
“São resistentes, não apresentam risco de acúmulo de resíduos e são fáceis de higienizar”, diz Eula. Mas, os cozinheiros reclamam que a superfície lisa e rígida acaba com as facas. Outra desvantagem é que podem ser escorregadias.
Outra que facilita a limpeza, costuma apresentar alta durabilidade – desde que, claro, o manuseio seja feito com cautela para evitar acidentes.
Potes
Sejam de plástico ou de vidro, eles entram em cena quando é hora de guardar a comida, marcam presença no freezer ou mesmo na despensa, assim como nas prateleiras de ervas, especiarias e de condimentos, que devem estar à mão do cozinheiro.
Segundo Renata Juliana, entre as vantagens dos recipientes de plástico, estão a leveza e facilidade. “São bons para transportar alimentos no dia a dia”, diz. A professora enumera ainda a diversidade de tamanhos e formatos.
Mas há desvantagens. “Alguns tipos, especialmente os que levam policarbonato ou policloreto de vinila (PVC), podem liberar substâncias nocivas quando aquecidos”, comenta. Melhor não usar no micro-ondas.
Já no congelador, a dica é priorizar os que trazem a designação “freezer-safe”. “Esses recipientes suportam a expansão dos alimentos ao congelar”, diz.
Quanto aos recipientes de vidro, um dos atributos é a segurança alimentar. “O material é inerte, não há risco de liberação de substâncias química ou toxinas”, afirma Renata.
“E não retém odores, cores ou sabores”, comenta. Sem contar a questão da sustentabilidade. “Como o vidro é 100% reciclável, torna-se uma opção mais ecológica”, elogia.
Esses potes servem para guardar as sobras de refeições cozidas e podem ir diretamente ao micro-ondas. E quando a versão é escura, oferece proteção contra a oxidação. “Preservam compostos voláteis e óleos essenciais de ervas e especiarias, mantendo o frescor e a potência dos sabores”, explica Renata.
Por outro lado, o material é propenso a quebras.
Panelas
As grandes estrelas da cozinha variam de matéria-prima e servem para as mais diversas preparações.
Segundo a professora Roseli Candêo, culinarista e instrutora de gastronomia do SENAC EAD, em Curitiba, umas das vantagens dessa panela é a condutividade térmica. “Mantém o calor por mais tempo quando retirada do fogo”, comenta. Pode ser uma boa pedida na preparação de molhos, frituras por imersão e sopas.
Outro atributo é o de poder ir para a máquina de lavar. “Mas é preciso tomar cuidado com choques térmicos”, avisa. Também vale atenção com batidas para não trincar ou quebrar.
Excelente opção para o dia a dia, ela é fácil de limpar, tem alta durabilidade e, como distribui o calor de maneira uniforme, a comida fica pronta rapidamente. Aliás, é bom ficar atento ao relógio para evitar que queime.
Serve para o preparo de todos os tipos de alimentos. “Entre as desvantagens, está o preço e o fato de não ser antiaderente”, aponta a professora Roseli.
Revestida com o politetrafluoretileno, não requer óleo na preparação dos alimentos. Mas, vale frisar, é fundamental tomar muito cuidado para que não sofra arranhões. Afinal, o material usado é um tipo de plástico e não deve ser ingerido.
“Atenção ao lavar: o recomendável é utilizar esponja macia e nenhum tipo de abrasivo”, sugere Juliana. Zelo ainda com as colheres usadas. “Melhor optar pelas de silicone”, orienta a nutricionista.
Quando apresentar sinais de desgaste, melhor descartar.
Sinônimo de rapidez e economia de gás, entra em cena quando a comida é dura, amolecendo feijões e outros grãos. “Também é perfeita para carnes”, ensina Juliana. Mas muita gente teme acidentes, por isso, atenção aos detalhes. Pino e válvula precisam estar perfeitos e livres de obstruções.
A borracha deve ser lavada separadamente. Isso evita a incrustação de alimentos. “O ideal é trocar quando houver vazamento na região”, recomenda a nutricionista e chef de cozinha.
As tradicionais, pesadonas, estão caindo em desuso. “Algumas são bem desajeitadas”, comenta Juliana. Podem transferir um pouco do mineral para a comida, mas a quantidade é baixa. “Melhor investir em fontes alimentares, como os feijões e as carnes”, indica.
Existem versões francesas, esmaltadas e revestidas com películas antiaderentes e de preços altíssimos.
Panelas de ferro são ótimas para refogados, sopas e caldos.
Fôrmas de assar
São aliadas na hora de assar bolos e tortas ou ainda preparar carnes e peixes. Confira os atributos de algumas comuns no dia a dia.
Antes de inaugurar esse tipo de fôrma, a dica da professora Roseli é de lavar cuidadosamente, depois untar com farinha, água e óleo e levar ao forno, a 220° C, por cerca de uma hora. “Esse processo reduz a migração de substâncias para os alimentos”, diz.
Entre os atributos, destacam-se a facilidade de higienização, a alta resistência e a grande variedade de formatos. Mas apresenta um inconveniente. “Por serem muito maleáveis, dependendo da estrutura, podem entortar na hora de assar”, lamenta a culinarista.
“Ela pode ir do forno à mesa”, comenta Roseli, que lista mais benefícios atrelados ao utensílio. “É resistente a choques térmicos, não retém odores e não precisa untar”, diz.
Porém é cara, pesada e leva mais tempo para aquecer, gerando maior consumo de energia. “Como é muito lisa, é essencial ter cuidado ao lavar para evitar que escorregue e quebre”, sugere.
“De todas as fôrmas no mercado, é mais acessível”, comenta a professora Roseli.
E pode soltar resíduos no alimento, especialmente quando é areada. Melhor não lavar com palha de aço ou esponjas abrasivas.
“Não é recomendada para receitas com muita acidez ou com maior quantidade de sal”, ensina. Nessas condições, aumentam as chances do alumínio se desprender e penetrar na comida, o que não é desejável.