O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, pediu vista (mais tempo para análise) nesta sexta-feira (29) na ação que discute a ampliação do alcance do foro especial de autoridades na corte.
O tribunal já tem 5 votos para determinar que o foro seja mantido mesmo depois do fim do mandato parlamentar de políticos por qualquer causa —renúncia, não reeleição ou cassação.
O relator, ministro Gilmar Mendes, defendeu que o investigado deve perder a prerrogativa só se o crime foi praticado antes de assumir o mandato.
Os ministros Cristiano Zanin, Dias Toffoli e Flávio Dino acompanharam Gilmar e, logo depois, Barroso pediu vista. Mesmo com a suspensão do julgamento, Alexandre de Moraes decidiu antecipar o voto para acompanhar integralmente a posição do relator.
Em 2018, na esteira da Operação Lava Jato e do aumento no número de ações penais em curso no Supremo, a corte decidiu que apenas crimes cometidos durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo deveriam ficar em sua alçada.
Agora, porém, Gilmar sugeriu que o “plenário revisite a matéria, a fim de definir que a saída do cargo somente afasta o foro privativo em casos de crimes praticados antes da investidura no cargo ou, ainda, dos que não possuam relação com o seu exercício”.
Também afirmou que, “quanto aos crimes funcionais, a prerrogativa de foro deve subsistir mesmo após o encerramento das funções”.
Segundo o ministro, “em termos práticos, a aprovação da proposta estabilizaria o foro nos tribunais quando estiverem presentes os requisitos da contemporaneidade e da pertinência temática”.
Moraes seguiu a mesma linha e afirmou que é uma “questão importante” a manutenção do foro “mesmo após o término dos mandatos”.
Dino, por sua vez, afirmou que a tese proposta por Gilmar “amplia a segurança jurídica” e dá “estabilidade sobre o juiz natural do processo, além de melhor viabilizar a duração razoável do processo”.
O tribunal mudou a jurisprudência sobre o tema em 2018. Na ocasião, as novas regras foram aprovadas por uma maioria apertada, com apenas 6 votos favoráveis, o mínimo necessário. Além disso, na ocasião, o ministro Marco Aurélio seguiu os colegas para restringir o foro, mas divergiu em relação ao marco temporal que define a permanência ou não do processo no STF.
A tese vencedora decidiu que, caso o político perca o mandato no momento em que o processo já está na fase das alegações finais, a ação permanece no Supremo. Marco Aurélio, porém, entendeu que a competência da corte deveria acabar na hora da perda do cargo, independentemente da etapa em que a ação se encontrar.
“A autoridade deixando o cargo, cessa a prerrogativa de foro, e o processo crime fica em definitivo na primeira instância”, disse na ocasião. Desde 2018, houve mudança em 4 dos 11 assentos da corte.
Do ponto de vista jurídico, há ministros que afirmam que a regra atual tem lacunas que precisam ser preenchidas para não gerar insegurança jurídica, o que justifica a rediscussão do tema.
Sob o aspecto político, uma ala defende a ampliação das hipóteses de julgamento de autoridades pela corte como uma forma de fortalecer o Supremo perante os demais Poderes.
Por outro lado, também há a avaliação de que ampliar o número de investigações criminais de integrantes do Legislativo e do Executivo em curso no STF aumentaria a possibilidade de atritos e desgastes para o tribunal.
O julgamento de agora foi iniciado em um contexto em que a Suprema Corte julga diversas pessoas sem cargo que envolva foro especial devido às investigações relacionadas aos atos de 8 de janeiro, quando as sedes dos três Poderes foram invadidas e vandalizadas.
Outro fato público com impacto sobre o tema é a prisão no último domingo (24) do deputado Chiquinho Brazão (ex-União Brasil-RJ) pela morte da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ). Na época do crime, ele era vereador, o que, em tese, poderia afastar a competência do Supremo sobre o assunto.
A análise foi retomada porque Gilmar enviou para o plenário um habeas corpus do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), que responde pela suposta prática de “rachadinha” quando era deputado federal ao tribunal.
O processo tramita atualmente na Justiça Federal em Brasília, em primeira instância. O parlamentar alega nunca ter deixado de ter cargo eletivo e apenas mudou de função —foi deputado de 2007 a 2014, vice-governador do Pará entre 2015 e 2018 e é senador desde 2019.
No ano passado, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) rejeitou um pedido do senador e manteve a ação na primeira instância por entender que o STF perdeu a atribuição para tocar o caso quando ele tomou posse como vice-governador.
Gilmar fala da necessidade de delimitar melhor o alcance do foro do STF há alguns anos. Ele tratou do tema, por exemplo, na decisão de restringir o foro especial quando votou para retirar da primeira instância uma investigação contra o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), em 2021.
Na época, a Segunda Turma da corte avalizou, por 3 votos a 1, a decisão do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) de retirar o processo das mãos do juiz de primeiro grau Flávio Itabaiana, que vinha dando decisões duras contra o parlamentar no âmbito da investigação sobre a suposta prática de rachadinha no gabinete de Flávio quando era deputado estadual.
O Ministério Público do Rio de Janeiro recorreu ao Supremo contra a decisão do tribunal fluminense sob o argumento de que teria havido violação à jurisprudência do tribunal superior, uma vez que, como Flávio não estava mais no mandato em que teria cometido os delitos, o caso deveria permanecer em primeira instância.
Gilmar, porém, defendeu que o Supremo só definiu a restrição do foro especial para integrantes do Congresso, e o caso do senador não deveria ser atingido pela decisão da corte porque, na época dos supostos crimes, ele era deputado estadual.
“São justamente pontos cegos desse tipo que corroboram a tese de que a decisão trouxe mais desacertos do que acertos. De todo modo, não é possível extrair do paradigma indicado um direcionamento que se repute violado pela decisão reclamada”, afirmou.